Morreu de velhinho e deixou saudade. Me devolveu uma vida sem sapatos roídos, sem meias calças rasgadas de tanto pular, sem babas que mais lembram algum tipo de puxa-puxa.
Enfim, fez falta.
Corta a cena, roda muitos anos na frente. Minha filha pediu um cachorro.
- Mas filha, cachorro da trabalho!
- Mas filha, cachorro tem que alimentar direitinho, dar banho, atenção!
- Mas filha, cachorro rouba a sua comida, suja a sua roupa, fica te azucrinando quando você quer ler ou ver TV! É tipo um outro filho!
Nada, estava irredutível. Acompanhada pela torcida do meu marido que nunca pôde ter um cachorro. Duas crianças me olhando e implorando um ser canino na casa.
Fiz o que qualquer mulher forte e decidida faria. Cedi.
Em poucos dias a Flor chegou e era uma bola de pelos ambulante. Não demorou muito, tomou a casa toda e, depois de um ano, ainda tentamos explicar pra ela a diferença entre o ser humano e os cães. Tu é bicho, baby!
Nada. Ela deve achar que os bichos somos nós.
Mas o fato é que hoje fica difícil imaginar a casa sem a Flor, o sofá sem as patinhas sujas, o tapete sem pelos espalhados e o nosso rosto sem um sorriso.
Comer sem dividir um pedaço do lanche, chegar em casa sem a bola gorda quase te derrubar de felicidade, os uivos quando eu toco uma nota mais estridente no piano - ela adora Enya.
Sei que um dia a Flor irá embora. E eu espero que demore bastante. Mas não posso deixar de pensar que tudo terá valido a pena. Que, quando isso acontecer, só poderei agradecer pelos anos de amor gratuito que ela nos terá presenteado. Nem tão gratuito - salvo uns cafunés na orelha.
Quem tem cachorro ou qualquer outro pet amado, sabe do que eu estou falando. E sabe que um pet nos mostra o que temos de melhor - e de pior quando ele saboreia aquele sapato novo.
Hoje me sinto feliz por proporcionar à minha filha uma amiga peluda. Que a persegue por todos os cantos da casa - até no banheiro. Que a faz viver a frustração quando mastiga um brinquedo. Que a faz entender o que é o consolo quando chora e a Flor não para de lamber os dedinhos do pé dela até arrancar gargalhadas. Que a ensina o que é um amor fiel quando a peluda se enrosca em suas pernas, só para vê-la fazer as tarefas escolares.
E sobram histórias engraçadas. Ela já enterrou um sutiã meu no quintal. A Flor, não a minha filha. Já se pintou com as minhas pastilhas de aquarela - A Flor e a minha filha.
E tem gosto próprio. A Flor adora chuchu e detesta cenoura - eu sei, eu sei, quem adora chuchu?
Enfim, um poço de alegria, caos e amor.
Melhor pessoa.
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